Procurar um emprego de sonho é como procurar o amor da sua vida

04-03-2013 01:00

Procurar um emprego de sonho é como procurar o amor da sua vida

Encaremos o facto: todos pensamos nisso. Por vezes, em pouco mais pensamos  mesmo que raramente, e só em certas situações, nos sintamos à vontade para o admitir. A conversa começa furtivamente e a questão é murmurada, como se fosse ligeiramente embaraçosa ou deslocada. Como posso obter mais no trabalho? Mais sentido, entenda-se.

Sentido no trabalho, sentido do trabalho. Ou sentido apesar do trabalho. Trabalho com sentido. Seja como for que o coloquemos, ansiamos, mais do que nunca, por sentido.

Talvez seja porque somos mais livres. Se estivermos fartos de um trabalho sem alma, dizem-nos que tomemos as rédeas da nossa carreira, descubramos a nossa visão e talhemos o nosso próprio caminho. Mas, e se não conseguirmos ver claramente? E se um caminho que parece prometedor não conduzir a lado nenhum?

Talvez seja por estarmos totalmente desconcentrados, ou concentrados de mais. Sentimo-nos atolados num caminho estreito e perguntamo-nos o que fica para além dele. Ou saltamos de um emprego para o outro, sem nos comprometermos e sem termos uma visão clara.

Também pode ser por estarmos mais expostos. Cursos, eventos sociais e as redes na Internet podem não abrir muitas portas, mas fornecem grande abundância de janelas  para uma série de galinheiros de vizinhos onde as galinhas são mais gordas que no nosso. Por exemplo, o Facebook, onde toda a gente tem vidas tão gratificantes. Os colegas são prestáveis e divertidos, os parceiros atraentes e atentos, as viagens exóticas e a comida deliciosa. Os copos estão sempre cheios. As crianças estão sempre a sorrir e nunca fazem birras.

Parece que há sempre alguém que consegue ter êxito, seja no que for. Nesse caso, porque não nós?

Quanto mais procuramos sentido, mais fugidio este se torna. Questionar a sua natureza, tentar perceber com o que se parece e que sensação nos transmitirá, torna-o ainda mais misterioso. Pensar no sentido só aprofunda o nosso anseio por ele.

Quando se pensa nele dessa maneira, o sentido é como o amor. Ansiar pela chegada de qualquer deles, transforma alguns em poetas e lança outros numa demanda para o encontrar. Porém, quando se trata do amor, a maioria dos adultos percebe o que essa demanda implica.

Abandonámos há muito a fantasia de que um príncipe ou princesa encantados apareceriam um dia para nos fazer perder a cabeça. Sabemos que encontrar o amor exige mais que esperar e suspirar. É necessário construir uma relação com alguém para o partilhar.

Amor, o sentimento, é uma consequência de termos encontrado o nosso alguém. Começa quando o nosso desejo de amor se transforma em desejo por alguém. De facto, quando estamos apaixonados, até podemos não pensar muito acerca do nosso desejo de amor. Estamos demasiado ocupados a fazer o que os apaixonados fazem  dar as mãos, escrever cartas, fazer promessas, andar angustiado, assustado e ser reconfortado, criar filhos, brigar, fazer as pazes, beijar, rir.

Quando se trata de sentido, contudo, muitos adultos ainda acreditam numa versão do príncipe belo ou da princesa atrevida. Chamamos-lhes “emprego de sonho” ou “vida gratificante” e imaginamos que estão ali, do outro lado dos pântanos do tormento, esperando que passemos a vau uma floresta de incertezas. Dispostos a compreenderem-nos perfeitamente e a fazerem-nos felizes para sempre. Essa crença mantém-nos confusos e atolados.

O sentido, tal como o amor, é uma consequência, não um destino. É o sentimento que vivemos, normalmente de passagem, quando estamos comprometidos com atividades, pessoas ou objetivos que nos mantêm ocupados e nos fazem sentir vivos. Não é uma imensa luz ao fundo do túnel, mas uma luzinha de presença que assinala que a vida está “ON”.

Se aquilo que procuramos é sentido, o melhor que podemos fazer é encontrar algo tão envolvente que deixemos de pensar em sentido. Como? Da mesma maneira que a maioria de nós trata de encontrar alguém quando o que procura é amor.

Sim, fantasiar, pedir conselhos e recorrer à Internet, está tudo muito bem. Porém, mais cedo ou mais tarde, terá de entrar no jogo incómodo, excitante e imprevisível. Namorar.

No seu importante estudo sobre transições profissionais, Herminia-Ibarra cita a opinião do psicanalista Adam Phillips de que o flirt, uma experiência suspensa entre a imaginação e o compromisso, é a via rápida para explorar interesses potenciais e descobrir quem somos, e não apenas quando se trata de romance.

Num primeiro encontro, raramente perguntamos “Será o/a tal?” Bem, talvez perguntemos, mas seremos capazes de perceber se não é. Porém, o mais provável é que pergunte, “Isto vai a algum lado?”, ou, mais precisamente, se e como gostaríamos que fosse. A última pergunta é de longe a mais útil, por três razões.

É (mais) fácil de responder. É impossível saber antecipadamente se um emprego que está a considerar terá sentido. Poderá dizer se o atrai, o que não faz mal nenhum, mas não oferece verdadeira orientação. É possível, contudo, sentir num projeto, num estágio ou mesmo num almoço com potenciais colegas se vale a pena levar por diante esse emprego atraente.

Revela o que quer (e o que está preparado para dar). Considerando uma opção concreta, contrariamente a uma fantasia, submete as suas expectativas ao teste da realidade. Caso prosseguisse, que teria de investir, de reorganizar, de abandonar? O que pretenderia, e o que temeria? Quanto está disposto a trabalhar para fazer com que funcione?

Expõe-se (ou recolhe-se). É impossível amar e aprender sem ficarmos vulneráveis. À rejeição, ao sofrimento, à desilusão ou à exploração. À surpresa, ao afeto, à compreensão e à transformação. Namorar não ajuda a avaliar estes perigos e oportunidades, e muito menos a evitá-los, mas oferece a oportunidade de os analisar e, quem sabe, arriscar.

Qualquer emprego, como qualquer relacionamento, realça algumas partes de nós mesmos e exige que ponhamos outras de parte. Na melhor das hipóteses, liberta-nos para exprimir mais daquilo que queremos ser. Na pior, faz-nos sentir inseguros. Quando namoriscamos um emprego, podemos sentir-nos libertados ou com vontade de nos fecharmos. Este é um indício da maneira como o emprego nos pode modificar.

Existem tantos tipos de sentido como existem tipos de amor. Ao mesmo tempo exigentes e libertadores, ambos desencadeiam a gama completa de sentimentos que são o sinónimo de estar vivo. As nossas “vidas com sentido” são tão complexas e confusas como as nossas “vidas amorosas”. Ambas podem ser frustrantes umas vezes, gratificantes outras. De facto, é a possibilidade de experimentar uma vasta gama de sentimentos relativamente a alguém ou a alguma coisa importante que lhes confere sentido.

Um emprego com sentido tem momentos de aborrecimento, de medo, de raiva. Não é uma linha reta de satisfação pessoal invariável. Nada é grandioso se for monótono. O emprego da nossa vida não está lá fora à espera que o encontremos. O que lá está, são empregos que nos fazem sentir mais ou menos vivos. Isto é, se nós deixarmos.